Algo que me faz chegar a mostarda ao nariz são os livros de culinária. Supostamente, estes livros servem para ajudar aqueles cozinheiros amadores que, carecendo de aptidão natural para a coisa, resolvem procurar pratos sofisticados e artísticos, com a segurança de que, seguindo à risca os passos dados pelo chef, irão conseguir uma refeição digna de aplausos.
Trata-se de um objectivo alcançável, mas o problema é que há uma sequência lógica que pode começar das mais diversas maneiras, mas acaba quase sempre de igual forma. E passo a exemplificar:
- O sujeito quer fazer um jantar de família e amigos próximos;
- Opta por um prato ligeiro... Uma refeição de peixe será o ideal;
- Procura o livro de culinária sobre peixes;
- Decide o tipo de confecção do bicho. Peixe assado parece ser uma boa opção;
- Vai à secção dos assados:
- Escolhe a variedade de peixe;
- Corre todas as receitas daquela categoria e selecciona uma que pareça simples, mas com boa apresentação;
- Lê os passos por alto, para se certificar de que não precisa de nenhum super-poder ou de um utensílio de outro planeta para cozinhar aquela iguaria;
- Reúne na mesa da cozinha os ingredientes;
- Para adiantar tempo, começa já a preparar a refeição, mesmo que ainda não tenha tudo à mão. (" Isto da culinária também é para os desenrascados!", pensa ele, todo satisfeito);
- Apercebe-se de que não tem manteiga sem sal nem farinha de milho e vai ao supermercado. Quando chega à porta, repara que ainda tem o avental e corre à cozinha para o deixar lá;
- Volta do supermercado com os ingredientes que faltavam para fazer a massa;
- Afinal, havia um ingrediente, já no final da lista, que nem tinha visto antes e, além de não o ter em casa, também nunca ouviu falar de tal coisa;
- Substitui o tal cardamomo por coentros, pois parece-lhe que é mais ou menos a mesma coisa. A esta altura, ele já se pode considerar um cozinheiro com prática... Já fez a massa, deve contar para alguma coisa. Além disso, ninguém vai notar a diferença. (Quem sabe ainda descobre uma forma de melhorar a receita e poderá, um dia, ter o seu próprio prato);
- Tira o tabuleiro do forno. "Ooops. Isto na foto era um empadão mas o meu parece um bolo rei sem frutas cristalizadas."
E isto, meus amigos, acontece quer seja um prato de bacalhau escondido em cama de batatas laminadas e ovos cozidos, quer seja com um folar da páscoa. Há sempre uma alface romana, 100gr de ervilhas tortas, 5 colheres de chá de gengibre branco cristalizado ou outro ingrediente qualquer que só encontraríamos no mercado negro indiano. E é este ingredientezinho que nos arruina três horas de expectativa e dedicação.
Deixo, pois, uma mensagem aos chefes de culinária que publicam as suas receitas: talvez seja boa ideia começarem a criar receitas com ingredientes nacionais, como as avós faziam. Aqueles pratos simples e muito saborosos que inebriam a casa com o seu aroma. Receitas que os comuns mortais possam confeccionar sem terem que pegar num passaporte e andar pelo mundo fora a brincar aos caça tesouros.
3 comentários:
É verdade sim! Há sempre um ingrediente que nos obrigaria a uma rápida visita às Índias! É por essas e por outras que já me ocorreu editar um livro de receitas culinárias! Algo do tipo, "receitas de amador para amadores e amantes da comida sem ingredientes de última hora"!É um título longo mas esclarecedor! ;DDD
ai as receitas da minha avo....que saudades.....
a tua nao editou um livro de culinaria?????
A minha avó sempre foi muito matreira. Decorava as receitas para ninguém roubar. E agora que está com a mioleira avariada, não há petiscos para ninguém! Sacana da velhota... =p Mas gosto muito dela na mesma. ^^
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